O terceiro na minha lista de preferidos
entre os álbuns dos Engenheiros do Hawaii é Gessinger, Licks &
Maltz, que lançou pelo menos 2 hits na era de ouro da MTV Brasil: o
primeiro é a inteligente primeira faixa Ninguém = Ninguém, com a
máxima de George Orwel no seu livro A Revolução dos Bichos (Todos
iguais, mas uns mais iguais que os outros); e a segunda é a calminha Parabólica,
em cujo clipe aparece a filha (e inspiração – o termo clarabólica na letra
se refere a ela) do vocalista, Clara, ainda bebê, que participou anos depois do
acústico da banda cantando com o pai.
Esse é um disco estranho, mais calmo que Várias Variáveis e se não me
engano, foi o último com o ótimo guitarrista Augusto Licks, uma lástima e
provavelmente a razão de eu nunca mais ter curtido tanto o som da banda (pelo
menos não um álbum inteiro). Retomando, digo estranho porque é mais
melancólico, mais nonsense, com as músicas misturando seus próprios elementos,
canções interligadas, títulos esquisitos e etc. Mas as canções sempre valem a
pena, quando não na sonoridade, nos versos, e vice-versa (trocadilho sem
intenção).
A segunda faixa é Até Quando
Você Vai Ficar?, que assim como outras neste disco, engana pelo título,
que se completa na letra com as palavras “fazendo o que quer comigo?” o que
muda completamente o sentido da pergunta. Traz também aqueles efeitos sonoros
feitos no teclado (acho eu) para os backing vocals, é uma das que eu mais
gosto, mesmo porque me traz lembranças íntimas.
Pampa no Walkman (olha aí de novo o nome
do finado aparelho) é uma milonga no violão bem gauchesca, com uma poesia bem
louca ao estilo do compositor. Em seguida vem Túnel do Tempo, que
começa bem triste e depois fica mais agradável, tem versos profundos e outros
absurdos.
Depois temos Chuva de Containers com uma reflexão social disfarçada
num texto ácido e melodia mediana, mas pesada. Também melancólica no início, Pose
(Anos 90), traz um texto otimista e em alguns poucos momentos datados, mas
com bela poesia e melodia.
A faixa seguinte se chama No Inverno Fica Tarde + Cedo e é bem
parecida com o início da canção anterior graças à voz aguda de Gessinger e
também ao piano, que comanda até o fim, os versos são mais profundos e também
muito bonitos, pesados, realistas e melancólicos.
Olha só esse título: Canibal Vegetariano Devora Planta Carnívora, isso
mesmo, parece uma manchete absurda. E os versos sem sentido (acho eu que
aparentemente – não que eu ache sentido em todos) e contraditórios são
esclarecidos já na introdução: “Eu tive um pesadelo...” e numa voz (de Licks)
automatizada que repete no meio da canção: “O supra-sumo da contradição”. É uma
música agitada, com momentos pesados e bem divertida.
Mais uma canção com versos tristes e calma, mas muito agradável e com uma
pegada forte (uma balada pesada, entenderam?), A Conquista do Espelho é
bem curta e é interligada com Problemas... Sempre Existiram, meio
estranha e chata de início mas fica bem pesada depois. O título se refere aos
versos “Problemas sempre existiram/ sempre existirão”, tipo de dificuldade
ortográfica que eu, como professor de português lido com os alunos, mas isso
não vem ao caso, importa saber que a letra é muito interessante e poética, bem
rica literariamente falando (metalinguagem e coisa e tal). O final também é
interligado com a última faixa.
A Conquista do Espaço é bem agitada e
alegrinha, divertida na letra e na melodia, no final tem uma mescla de
elementos musicais e relativos à letra de várias das canções anteriores deste
mesmo álbum.
Então concluo esta série dizendo que Gessinger, Licks & Maltz é
um daqueles discos que tem de se ouvir várias vezes pra gostar. Aos roqueiros
exige uma certa atenção para os versos a fim de ser melhor apreciado, já que em
termos sonoros pode não agradar a todos. Então tá então!
Momentos
Inesquecíveis:
·
“ me espanta que tanta
gente sinta (se é que sente)/ a mesma indiferença”
·
“se uma razão nos
parecesse/ a natureza inevitável/ qual fronteira separando/ estes estados nada
estáveis”
·
“ pra ouvir melhor,
melhor apagar a luz/ Deve ser o que chamam túnel do tempo/ ano 2000 era futura
há pouco tempo atrás/ Há uma luz no fim do túnel e não é um trem na
contramão...”
·
“Falta pão/ O pão
nosso de cada dia/ Sobra pão/ O pão que o diabo amassou/ Chuva de containers/
entertainers no ar/ Noir/ ...Não caberemos todos em Miami/ Ame-o ou deixe-o”
·
“Vamos namorar à luz
do pólo petroquímico”
·
“Escuridão/ Hora da
colheita pra quem semeou vento/...Só depois de perder você descobre que era um
jogo/ Um jogo que não acaba nunca, nunca acaba empatado”
·
“Eu tive um pesadelo,
tive medo de não acordar/ Eram várias variáveis/ Um vírus voraz no computador/
Clichês inéditos/Déja vu nunca visto/diet indigestão/ jagunço hi-tech/
...Overdose homeopática/ Humildade com h maiúsculo e dourado/ fuso
anti-horário/confusa explicação/ Bacanal cristão/ fanatismo indeciso/ fanática
indecisão/Em resumo: etc e tal...”
·
“Paralelas que se
cruzam em Belém do Pará”
·
“Eu roubei estes
versos como quem rouba pão/Com a mão urgente, com urgência no coração/ Eu
roubei quase tudo que eu tenho só pra chamar tua atenção/ e quando cheguei em
casa/ vi que lá morava um ladrão”
·
“ A última
palavra é a mãe de todo o silêncio/ ...façamos silêncio pra ouvir o
último poema/ Por que você não soa quando toca?/ Por que você não sua quando
ama?/ Por que você não sua quando toca?/ Por que você não soa quando ama?”.
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